Por Fernando Dornelas
É carnaval! E vejo a maioria dos amigos que pedalam, desde a semana anterior, se organizando em blocos com fantasia. Nós da NOMADE tínhamos um roteiro de viagem que foi inicialmente explorado de carro, mas ainda, precisava ser feito e testado de bike, para serem sentidas de forma mais real, as dificuldades do percurso e poder, baseado nisso, fazer o planejamento para futuras viagens em grupo por esse litoral, virgem e intocado até hoje, por construções, esgoto, transito, barulho enfim da poluição causada pelo homem. No intuito, de aproveitar o feriado de carnaval e fazer essa exploração, comecei a divulgar entre os amigos na tentativa de conseguir mais quatro aventureiros que topassem trocar o carnaval, por três dias de pedaladas entre praia, rio e morros entre Peba em Alagoas a Aracajú em Sergipe. Apesar de achar que não encontraria pessoas interessadas, consegui até mais do que o número de vagas no carro, que era de mais quatro participantes.
Formado o grupo de participantes, vi que pela primeira vez em uma aventura como essa, o lado feminino prevalecia com três participantes, a Mônica, Geise e Catarina. Contra eu e Sérgio Falcone do sexo frágil masculino! Nossa saída de Recife foi um pouco conturbada com alguns problemas que teimavam em atrapalhar a saída do grupo o que ocasionou muita demora e a chegada à pousada no local de saída, muito tarde. Dormimos, e acordamos com pouco tempo para tomar café da manhã e arrumar as coisas nas bikes e no carro, o qual ficaria naquele local, isso tudo antes do horário da maré baixa que seria às 8h19min. Não deu pra sair no horário correto, só às 9h48min que conseguimos, e ainda tive que entrar na vila para ligar de um orelhão já que depois de tentar muito pelo celular e não conseguir telefonar para Genaro, o barqueiro que esperaria na foz do rio São Francisco para nos levar para o outro lado do rio ao vilarejo de Saramém.
1º DIA
Finalmente, depois de telefonar, saímos e iniciamos uma aventura que com certeza, nos deixaria maravilhados com as belezas daquele litoral. Praia larga e plana, toda nossa, deserta. Seguimos tranqüilos, de triste no caminho, só a visão de uma tartaruga morta na areia da praia, contrastando com a beleza do local. Seguimos até rodar 14Km, a partir daí, não dava mais para pedalar, a maré começou a subir e só dava pra ir andado e empurrando a bike. Com a areia fofa, eu sentia dificuldade em seguir sem parar de vez em quando, mas, as duas mocinhas que iam à frente, Mônica e Catarina, pareciam nunca se cansar, não paravam de andar, colocando uma distancia de nós que não dava mais para vê-las de tão pequenas que ficaram. Fiquei curioso com a disposição das duas, será que é a dieta que as duas estavam fazendo, serviu para que modificasse a musculatura delas?
Andamos 6Km até chegar bem perto da foz do rio, lá estavam as duas, deitadas na areia e encostadas num tronco, jogado a beira mar. Paramos todos, para descansar um pouco. Fiquei pensando em relação ao barqueiro que tinha combinado para nos encontrar na margem alagoana do rio às 12h, provavelmente ele foi embora, já que eram quase 15h. Mas como é carnaval, deve haver turistas vindo de barco para visitar a foz do rio, foi quando vimos lá longe, turistas que vinha das dunas ao lado do rio em direção a praia. Foi o sinal para nós que haviam barcos no rio, lá do outro lado das dunas. Seguimos em direção as dunas, ao subir nelas, uma incrível visão do rio no encontro com o mar, cercado de um lado por dunas amareladas e do outro, por extensos coqueirais e manguezais, lá no meio do rio, solitário dava pra ver o antigo farol da vila do Cabeço que foi destruída pela luta do rio com o mar e tomando de volta o lugar habitado do vilarejo. É à força da natureza que o homem teima em desrespeitar!
Ao chegarmos à beira do rio, havia só uma canoa com algumas pessoas, fui falar com o dono do barco para ver se ele nos levava ao outro lado do rio, negociação feita, e acertada, mas havia um problema, aquele barco era de pesca e não tinha a autorização da capitania dos portos, para transportar pessoas, e a lancha da guarda costeira, estava ali parada a uns 100 metros de nós, fiscalizando todos os barcos que ali paravam. Decidimos esperar para ver se eles iam embora e entramos no rio para um refrescante e prazeroso banho. Passados uma hora e meia, e nada dos homens irem embora, já havia chegado mais três barcos de passageiros, e eles foram vistoriar o maior deles. Nós decidimos tentar com outro barco de passageiros que estava próximo onde nós estávamos. Sérgio foi conversar com o condutor mais infelizmente, ele não tinha o número de salva vidas adequado para todos. Tentei então o barco grande onde eles estavam fazendo a vistoria, mais o barqueiro foi um pouco grosso, dizendo que estava fora da rota dele. Só restava um único barco lá longe, Falcone foi ate lá e consegui o que ele nos levasse, foi quando a guarda chegou para, vistoriá-lo. Esperamos mais um pouco e finalmente com o sol do entardecer brilhando nas águas do rio, nós embarcamos e seguimos finalmente para o outro lado do rio.
Chegamos do outro lado às 17h, sugeri parar em Saramém para almoçar, mais Mônica, movida até ali com a energia misteriosa da dieta, disse não vamos continuar sem parar, para chegar mais cedo. Decidimos parar e procuramos onde comer, um homem informou-nos a casa de dona Amalha, só que ao chegar a sua casa, ela estava saindo e não tinha nada para nos servir, estava fugindo do carnaval da vila. Fomos então a uma padaria próxima e o nosso almoço foi pão, queijo e mortadela. Decidi passar na casa do barqueiro Genaro, que tinha acertado para nos buscar do outro lado do rio às 12h, para lhe pedir desculpas e justificar pelo atraso de 3h, que o fez esperar por nós até desistir e ir embora.
Saímos de Saramém, já começava a escurecer e lá fui eu na frente quando de repente passa por mim a todo vapor a vitaminada da dieta! Mônica. Só que dessa vez, não era a vitamina, eram por conta das PICADAS, MILHARES DE PICADAS!!! As muriçocas estavam fazendo a festa com sangue novo na área. Foi muito engraçado, o alforje de Mônica encostava-se ao pneu e fazia um som parecido com uma abelha, quanto mais ela era PICADA, mais acelerava e eu atrás gritando para ela diminuir a velocidade para esperar Geise e Falcone, mais não adiantava, ela não diminuía!
Continuamos por estrada de terra entre vilarejos de pescadores até rodarmos uns 20km, paramos em um bar para nos hidratar e descasar um pouco. O grupo já começa a sentir o peso dos 40Km rodados até ali, e as nossas vitaminadas Mônica Bolinha e Catarina Pochete, tiveram as suas forças sugadas, pelas milhares de picadas que tomaram. Nessa hora, assume a dianteira ao meu lado, Geise Compacta, a última representante a defender o lado feminino já um pouco avariado.
A informação que nós tínhamos era de que até a pousada, teríamos que percorrer 26km, já havíamos rodado mais que isso e nada de chegar, segui na frente só, rodei até encontrar um poço de petróleo e parei para esperar o grupo mais eles não chegavam, a Mônica estava bastante cansada e seguia muito lenta. Decidi seguir até a pousada e como sabia que eles tinham uma caminhonete, pedir pra fazer o resgate de nossa amiga. Ao chegar à pousada, fui prontamente atendido. Resgate efetuado, todos na pousada, às 21h chegamos ao final do primeiro dia de nossa aventura com todos bem apesar de visivelmente cansados, depois de 55Km de muita areia, maré cheia, rio, estrada de terra, picada de mosquito, sol e de um visual Incrível! Tomamos banho de piscina, lavamos as roupas, jantamos e fomos dormir.
2º DIA
Acordamos, tomamos café, agradecemos a dona da pousada pela excelente acolhida e presteza, tiramos fotos e começaram as comparações com as bagagens arrumadas em cada bike, a mais bonita e a arrumada era a de Mônica Bolinha, a e maior e mais extravagante, era a de Catarina que foi apelidada de Pochete, a minha e a de Falcone, eram as utilitárias, que além das bolsas, levavam também as barracas de camping, e a de Geise que era a mais compacta.
Seguindo informação da dona da pousada, para chegar à praia, deveríamos ir por estrada de cascalho entre as dunas até dois poços de petróleo, depois do segundo poço, deveríamos seguir por um single track até a praia. Segundo ela, rodaríamos 2Km. Fomos nós pelo caminho, logo no início, pequenos lagos envolto por dunas e coqueiros, muito bonito, depois de uma porteira, uma subida e logo começávamos a descer uma duna onde um vento muito forte, lateral, parecia tentar tirar as bikes debaixo de nós, inclinando-as para o lado, tal a força com que o vento vinha. Conseguimos passar sem nenhuma queda e chegamos ao single, com vegetação rasteira sobre a areia, ziguezagueando até chegarmos à praia, depois de rodar 4,85Km, onde encontramos uma pequena varanda de palha e troncos onde paramos, e nos abrigamos da chuva de que começava. Geise com frio pegou um saco de lixo azul e se embalou a vácuo, aguardamos a chuva parar e observamos a praia, a maré já começara a subir e isso me deixou apreensivo, não queria como no dia anterior, começar a pedalar pela praia e talvez não conseguir chegar ao ponto que sairíamos da praia a uns 20km dali. Decidimos voltar à estrada de cascalho e seguir por ela até Lagoa Redonda, nosso destino.
Ao chegar de volta a estrada, já havíamos rodado quase 9Km, seguimos até para em um bar para nos hidratar e comer alguma coisa, já era meio dia, o dono do bar nos ofertou um caldinho de camarão que estava uma delicia e na hora do pagamento, ele nos deu como cortesia.
Continuamos no cascalho, para a nossa sorte, o clima estava perfeito, nublado e com a temperatura amena, facilitando a pedalada. Um pouco mais a frente, a primeira e única grande subida de nossa viagem, longa e sinuosa, mais que nos deu uma belíssima vista da região cheia de pequenas lagoas dunas e o mar. Pedalamos algum tempo por um planalto até o entroncamento onde pegamos uma longa descida a toda velocidade para ao seu final, contornarmos uma lagoa e pouco depois, chegamos ao Paraíso Lagoa Redonda, camping e pousada onde iríamos ficar. Ao parar, fiquei esperando os componentes do grupo passar e gritava para avisar da entrada do local, mais Geise, passou lotada, subiu uma ladeira íngreme logo após a entrada e seguiu, e subiu mais duas ladeiras logo depois, lá fui eu atrás gritando o seu nome e subindo as ladeiras até que ela me escutou e voltou.
Final de mais um dia, e dessa vez, rodando menos que o previsto que era de 35Km e foram 30Km até ali. Como no dia anterior, nós não acampamos, conseguimos alojamento em apartamento, um pouco improvisado mais deu pro gasto.
3º DIA
Segunda-feira, acordamos cedo, tomamos café e às 9h estávamos saindo para o último dia, e com maior quilometragem prevista para aproximadamente, 60Km, não podíamos de forma alguma perder o horário da maré, em virtude de pela praia, ser um caminho bem mais curto, mais tranqüilo em relação às longas subidas do outro caminho e muito mais prazerosa com suas belezas naturais.
Saímos da pousada, passamos pela vila de Lagoa Redonda e seguimos em direção à praia. Pouco depois da vila, fui perseguido por um enorme carneiro que depois de ser ultrapassado por mim na estrada, veio correndo e dando marradas com a cabeça tentando me atingir, eu escapei, por pouco. Logo depois, cruzamos um riacho e chegamos à praia.
Na praia, a maré estava bastante baixa o que dava uma largura de uns cem metros, nos dando a certeza de seguir sem problemas até Pirambú. Estávamos agora na Reserva Biológica de Santa Isabel de proteção à postura da tartaruga marinha. Durante, quase todo o percurso de onze quilômetros, víamos centenas de canos enfiados na areia com um número, acreditamos ser de marcação de ninhos de Tartaruga.
Pirambú onde sairíamos da praia e começaríamos nos despedir da maravilhosa oportunidade que tivemos até ali de por pouco mais de dois dias vivenciar a natureza de uma forma tão intima e gostosa, ficando a vontade com a praia o rio o vento forte ao descer a duna em velocidade e gritando de alegria e emoção, sentir as gotas da chuva fria no rosto ao vento, ouvir um bando de pássaros voando ao seu redor e reclamando com aqueles cinco intrusos que chegaram a seu habitat. Ver a areia fina passar a seus pés, levada pelo vento e fazer desenhos parecendo dançar sobre o solo da praia. De ver uma boiada passar tranqüilamente a beira mar perto das ondas. De ser perseguido por um carneiro por passar por ele sem permissão. Do Urubu voando em volta de Catarina que mais parecia um Peru rodando na praia. Bem só realmente quem foi e viveu essa experiência, é que pôde sentir e saber o que é ter um contato tão prazeroso e intimo com a natureza!!! Nós nos despedimos ao sair da praia e pela primeira vez desde que saímos da praia do Peba, colocamos as rodas no asfalto. De pronto, sente-se a diferença no volume de pessoas na praia cheia de barracas, carros com a mala aberta com o som nas alturas, as ruas sujas do carnaval da noite anterior, voltamos ao nosso cotidiano, um verdadeiro choque para quem há poucos instantes, estava em um paraíso. Mas, fazer o quê? Tínhamos que voltar a nossa realidade, mais nos resta a lembrança e o privilégio, de termos vivido em um mundo a parte e ainda preservados do nosso país!
Paramos em uma lanchonete, foi quando lembrei do horário de saída do único ônibus com destino a Penedo – AL, que era às 16h30min, e teria que pegar para retornar à praia do Peba e buscar o carro e retornar para Aracajú. Comuniquei ao grupo que teríamos que chegar a Aracajú até às 15h, para ter tempo de encontrar pousada e embarcar num táxi para a rodoviária. Hidratamos-nos e seguimos para a rodovia que depois de 35Km, nos levaria até Aracajú. Diferentemente do dia anterior, hoje o clima estava quente com sol forte, só amenizava um pouco com o vento. Depois de pedalar algum tempo no calor, paramos na primeira barraca de palha que encontramos na margem da rodovia, para descansar um pouco. Falcone, não parou seguiu em frente e parou pouco depois em uma barraca de frutas que nós não tínhamos visto a uns cem metros à frente. Seguimos para lá e as moças, começaram a comer frutas.
Durante toda a viagem, não houve nenhum estresse, apesar de todas as dificuldades que passamos. Bastou voltar ao mundo real e com horário para chegar, que eu comecei a ficar mais tenso, para não perder o único ônibus para Penedo. Nesse trecho da rodovia, havia um bom acostamento que facilitava a pedalada do grupo espalhado. A partir do local da última parada, a pista deixa de contar com acostamento asfaltado o que nos obrigava a pedalar pela faixa de deslocamento dos automóveis. Como alguns já estavam um pouco cansados, tive que diminuir a velocidade para que o grupo seguisse compacto, faltavam 16Km até a ponte que dá acesso a Aracajú, e de cinco em cinco quilômetros, parávamos para descansar. Na última parada em frente a um bar, na sombra de uma mangueira, uma senhora veio com cinco garrafinhas de água mineral e nos ofereceu, a maioria do grupo não quis, mais eu aceitei e logo depois os outros também. Quando íamos sair, perguntei ao dono do bar quanto era, ele me respondeu que não era nada. Agradecemos à gentileza e seguimos, em pouco tempo, estávamos subindo a ponte do acesso a Aracajú aos 50Km rodados até ali às 14h18min, finalmente chegávamos ao nosso destino.
No caminho até Atalaia, fomos recepcionados pelo rei Momo e da Rainha do carnaval de Aracajú, em um posto de gasolina que íamos passando, tiramos fotos e seguimos. Chegando em Atalaia onde ficava a pousada, completamos 65Km no total naquele dia, grupo alojado, fui buscar o carro. Retornei à Aracajú, por volta das 23h30min.
Depois de uma noite tranqüila, todos restaurados, fomos passear na cidade, dessa vez, em cima de quatro rodas, uma sensação diferente dos dias anteriores, e nessa hora, pense num grupo macho, apesar de a maioria ser mulher, tava todo mundo dizendo que deveríamos continuar de bike até Salvador, infelizmente, não dava, tínhamos que voltar para Recife. Fizemos um breve passeio pela cidade, conhecemos a igreja de Sto. Antonio, que fica num local que dá uma bela visão da cidade e da foz do rio Sergipe, e de lá seguimos para a passarela do caranguejo, onde encontramos o restaurante Cariri, muito agradável, perfeito para a nossa comemoração por tudo ter dado certo nessa maravilhosa aventura vivida por nós e também a nossa despedida de Aracajú. Comemos moqueca e peixe asado, e depois, caímos no forro! Havia uma banda muito boa tocando MPB, Frevo e Forro, numa afinação e animação que dava gosto! Observei que na banda, só havia um homem e quatro mulheres, uma formação, parecida com a do nosso grupo, que em sua maioria, com Mônica, Catarina e Geise, era de mulheres. Da mesma forma que a banda o grupo andou sempre afinado e muito animado, passávamos boa parte do tempo às gargalhadas nas conversas, brincadeiras e em situações que acontecia com qualquer um do grupo. A todos, os parabéns e obrigado pela paciência e compreensão, aos problemas e dificuldades ocorridas no início de nossa aventura. E especificamente às moças, pense numas mulé valente! Dificuldades foram muitas, andar seis quilômetros debaixo de sol forte na areia fofa da praia, passar duas horas esperando para conseguir um barco para cruzar um rio, almoçar pão, queijo e mortadela, ser quase devorado por muriçocas, cansaço, chuva de vento fria, vento forte e contra e mais… No entanto, nossas amigas, não reclamavam, não se deixavam vence e não desistiam, chegando ao ponto de quando chegamos a Aracajú, queriam continuar até a Bahia. Parabéns a todos nós por temos sido esse conjunto afinado e animado, disposto e corajoso a viver mais essa aventura!
De ruim, ficou só a saudade! Valeu pessoal e até a próxima!
Obs.: Em breve, divulgaremos os dados técnicos.
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